Por Fred
Zero Quatro
Mangue, o
conceito
Estuário. Parte
terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas
margens se
encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou
subtropicais
inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica
entre a água
doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais
produtivos do
mundo.
Estima-se que
duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e
invertebrados
estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas
de desova e
criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro.
Pelo menos oitenta
espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço
costeiro.
Não é por acaso
que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar
marinha. Apesar
das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa,
para os
cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.
Manguetown, a
cidade
A planície
costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a
expulsão dos
holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia* passou
desordenadamente
às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus
manguezais.
Em
contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*, que
elevou a cidade
ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar sua
fragilidade.
Bastaram
pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de
esclerose
econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos últimos trinta
anos, a síndrome
da estagnação, aliada a permanência do mito da *metrópole* só tem
levado ao
agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.
Mangue, a cena
Emergência! Um
choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser
médico para
saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é
obstruindo as
suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma
de uma cidade
como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que
fazer para não
afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver
o ânimo,
deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um
pouco de energia
na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do
Recife.
Em meados de 91,
começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um
núcleo de pesquisa
e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito
energético*,
capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de
circulação de
conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os
mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso
da modernidade,
Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões),
moda, Jackson do
Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem,
música de rua,
conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os
avanços da
química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.
Bastaram poucos
anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e
começarem a se
espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia
gerou uma cena
musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas
de rádio,
desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as
artérias vão
sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da
Manguetown.
Categorias: Manifestos | 1992
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